domingo, 8 de maio de 2016

DESCONSTRUINDO OS CONTRASTES


Desde criança, passaram-me a ideia de que Várzea Alegre é a "terra dos contrastes". Cresci ouvindo essa conversa, sem jamais atentar para o fato de que não passa de um mero gracejo. Gracejo esse que passou a me incomodar, quando descobri que todos os "engraçados" da terra começaram a inventar besteiras e rotulá-las como mais um contraste de Várzea Alegre.
Ora, pra começo de conversa, a palavra contraste não traduz exatamente os eventos como tal considerados. Coisas inusitadas aconteceram, mas sem a pecha da contradição. Podemos conceituá-las como curiosidades, sem porém o atributo pejorativo do contraste. Por isto, passei a contestar tudo o que empobrece a nossa fama e que se contrapõe à verdade.
Tivemos a primeira mulher a ocupar o cargo de juiza no Ceará. Para nós foi um ineditismo, mas não foi um contraste. O primeiro viúvo, com filhos, a ordenar-se padre no Brasil, teve Várzea Alegre como sua primeira paróquia. Outra curiosidade que em nada se parece com contraste.
Por alguns anos, a imagem de santo Ambrósio foi confundida com São Raimundo, o que era comum no tempo em que todas as imagens vinham da Europa e pouco se conhecia das feições de cada santo. Um engano não pode ser conceituado como contraste. Depois criaram a lenda de que o santo da confusão era São Bráz, o que nunca foi.
Existia, no passado, uma erva nativa, conhecida por manjirioba da qual colhia-se uma vargem, cujas sementes, depois de torradas, produziam um chá escuro que assemelhava-se ao café. Daí o nome de "café de manjirioba". Aonde está o contraste? Depois foi inventada a historia de que "de mastruz se faz café" Ainda hoje mastruz é mastruz e café é café. Portanto esqueçamos também esse contraste.
Um dos gênios do nosso anedotário chegou a noticiar que "um cego da Boa Vista morreu afogado na Lagoa Seca". Foi engraçado e só. Porque, na verdade, quem foi o cego e quando deu-se essa ocorrência? Não há qualquer registro.
O sítio Várzea Alegre, nos primórdios, era circundado por três lagoas e tinha baixios que se perdiam em todas as direções. Formou-se ali um povoado que sempre caracterizou-se pela espontaneidade e alegria do seu povo. O nome não poderia ser outro. Aonde está o contraste, quando dizem que nem é várzea e nem alegre?
Poderia desconstruir, se o espaço me permitisse, as centenas de contrastes que inventaram e cantam em prosa e verso. Infelizmente, aqui, o que é inusitado, o que é coincidência ou mera curiosidade o povo logo diz: "é mais um contraste de Várzea Alegre". Não sabem que em todos os lugares da terra ocorrem também suas excentricidades. Sinceramente Várzea Alegre, não gosto que te julguem pela ótica da ironia e da brincadeira.

Tibúrcio Bezerra

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